Pessoas com TEA apresentam altos índices de ansiedade, que também pode afetar seus familiares

‌“Há uma expectativa social de adaptação que recai de maneira desproporcional sobre pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). É um mito dizer que elas não querem se socializar. Mas, no dia a dia, isso exige um esforço muito grande de pertencimento que gera ansiedade e também fracassos”, ensina a psicóloga Daniela Carmelli, que associa as dificuldades de aceitação das pessoas com TEA perante à sociedade ao desenvolvimento de graves comorbidades, como a depressão e até mesmo o engajamento em comportamentos suicidas.

Autismo não é uma doença mental. É um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades na linguagem, na sociabilidade e por diferentes modos de sentir e agir. Nesse contexto diverso, o que serve para uma pessoa nem sempre atende às outras, especialmente na adolescência, fase onde são mais frequentes os relatos de isolamento e de sentimento crescente de não pertencimento. E é neste momento que, segundo especialistas, é preciso ampliar a rede de apoio e correr com o diagnóstico.

“As pessoas com TEA têm três vezes mais chances de se engajar em comportamentos suicidas por não serem olhadas, cuidadas e diagnosticadas”, afirma Daniela. Para a psicóloga, o suporte deve alcançar também suas famílias, com intervenções personalizadas. “É a ampliação da rede de apoio que pode ajudar na prevenção de casos de suicídio.”

O tema foi debatido em audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo como parte das ações relacionadas ao Setembro Amarelo, campanha brasileira de prevenção ao suicídio realizada todos os anos desde 2015.

Metade dos autistas sofre de ansiedade

De iniciativa da deputada estadual Andrea Werner (PSB), a reunião expôs estatísticas preocupantes. Ainda de acordo com Daniela Carmelli, metade das pessoas com TEA apresenta altos índices de ansiedade. “Percebemos que a quebra na rotina, por exemplo, desequilibra as pessoas autistas, que tendem a ser muito inflexíveis por uma característica do TEA, que é a dificuldade de flexibilização.”

Daniela também alertou para a demora no diagnóstico tanto do autismo como de suas comorbidades. E reconheceu que, muitas vezes, é difícil identificar casos de depressão até mesmo pela dificuldade desses jovens expressarem seus sentimentos.

Andrea Werner, que foi diagnosticada autista aos 47 anos, relatou situações pessoais. “A depressão estava escancarada na minha adolescência. Tinha sentimentos que não conhecia e me lembro de pedir a Deus todos os dias para morrer. Me sentia inadequada e incapaz. Tudo isso tem a ver com a falta do diagnóstico e do suporte”, afirmou.

Segundo a parlamentar, o Estado deve ofertar a chance do diagnóstico, que, muitas vezes, é caro e inacessível. “As pessoas estão no limite. O tema é urgente.”

Cuidados devem abarcar ambiente familiar

A assistente social Juliana Barica destacou que o ambiente familiar deve ser um ponto de atenção diante do risco de depressão e suicídio das pessoas com TEA e parentes. Não é raro que os pais – especialmente as mães – deixem de trabalhar após o diagnóstico de um filho autista. Além de prejudicar o orçamento doméstico, a decisão de se dedicar exclusivamente ao cuidado de um filho, nem sempre voluntária, também gera baixa na qualidade de vida e receios em relação ao futuro.

Juliana diz que é hora da sociedade debater quais ferramentas deve ofertar às famílias que têm uma pessoa com deficiência no seu convívio. “São famílias obrigadas a mudar suas rotas. Isso é um problema? Possivelmente, não. Mas os enfrentamentos diários, sim. Como será na escola, vai trabalhar, vai poder ter uma roda amigos?”. Todas essas dúvidas devem ser trabalhadas, de acordo com a assistente social, para que esses enfrentamentos não gerem impactos na saúde mental.

Durante a audiência pública, Juliana expôs um cenário comum às famílias atípicas. Ao dividir as preocupações enfrentadas em três eixos (orçamento, saúde e social), ela chamou a atenção para uma rotina de estresse que impacta os autistas e as pessoas típicas.

Cenário enfrentado por famílias atípicas:

Orçamento doméstico

  • Abandono do trabalho
  • Dependência de benefícios sociais
  • Dúvidas sobre aposentadoria

Saúde

  • Custo dos tratamentos
  • Saúde mental dos cuidadores
  • Baixa qualidade de vida

Social

  • Isolamento social
  • Alto índice de separação entre casais
  • Filhos cuidados apenas pelas mães

Falta de lazer pesa na saúde mental de autistas e familiares

“Todos sabemos da questão do isolamento social das famílias com TEA. O lazer é a última coisa da lista, seja pela ausência de rede de apoio ou pelas dificuldades financeiras. E isso conta demais na questão da saúde mental”, destacou Juliana, que também citou o fato de muitas mães cuidarem dos filhos sozinhas e serem totalmente dependentes de programas sociais, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A psicóloga Bruna Terozini pontuou ainda que a rede de apoio a envolver autistas e seus familiares deve abarcar também a escola, que, segundo ela, é um ambiente propício para se trabalhar qualquer tipo de intervenção, da pedagógica à social. “Mas isso desde que os protocolos de intervenção sejam individualizados. Não se pode generalizar nem em casa nem na escola.”

Feito por: Adriana Ferraz – TEIA