Coletivo Autista da USP cria cartilha para ajudar na inclusão de alunos com TEA
Guia orienta professores sobre características do transtorno e como melhor acolher os alunos
O ingresso na universidade representa uma transformação na vida de qualquer pessoa diante dos desafios que a nova etapa impõe, independentemente da área de ensino escolhida.
Para autistas, essa fase tende a ser ainda mais complexa pelas dificuldades de interação social e de comunicação que caracterizam o transtorno. A boa notícia é que os aprovados no vestibular da Universidade de São Paulo (USP) terão um auxílio importante neste início de ano letivo para se adaptarem à nova rotina.
Com a experiência de já terem enfrentado obstáculos para fazer novas amizades e trabalhos em grupo ou entender os direitos e deveres de um universitário, por exemplo, os participantes do Coletivo Autista da USP elaboraram uma cartilha para facilitar o dia a dia dos calouros e oferecer informações à comunidade sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Disponível de forma online, a publicação “Tenho um aluno autista… e agora?” foi desenvolvida com o objetivo de orientar professores e funcionários sobre as principais características do TEA, além de oferecer dicas para condutas mais inclusivas.
Universitário TEA pode ficar constrangido em público e precisar de sala reservada para fazer prova
O manual esclarece, por exemplo, que estudantes com autismo podem pedir adaptações na forma como os docentes ensinam as matérias. De acordo com a cartilha, professores devem conversar com o aluno para entender quais são suas dificuldades e quais acomodações podem ser aplicadas à didática para melhor aproveitamento. “É importante ressaltar que a inclusão e adaptação de material para autistas não é opcional, é um direito previsto por lei que deve ser aplicado”, alerta o guia.
O Coletivo Autista da USP apresenta situações práticas de como a adaptação da rotina escolar pode ajudar na inclusão. Em uma delas é dado destaque ao ambiente da sala de aula, que merece atenção por parte dos professores. “Não exija que o aluno fique em sala quando há muito barulho e evite ventiladores barulhentos que dificultam a concentração. Atividades podem ser inclusivas, com instruções claras e possibilidade de realização individual.”
Em outra, o manual aborda aspectos sociais. “Os autistas podem ter muita dificuldade de falar em público e responder perguntas sem a oportunidade de refletir. Evite questioná-los durante a aula em frente ao grupo para não provocar constrangimento”, orienta a cartilha, que também aborda o tema das avaliações.
“Devido à ansiedade, sensibilidade sensorial, dificuldade de interpretação e dificuldade de função executiva (que afeta as habilidades de planejamento e manejo de tempo), uma prova pode ser extremamente estressante e não refletir o conhecimento do autista sobre a matéria.”
Adaptações para alunos com TEA envolvem versões alternativas para provas e trabalhos e cuidados com ambiente da sala de aula
Na sequência, para facilitar a compreensão dos professores sobre o transtorno e, de quebra, colaborar para a rotina de estudo dos autistas, a cartilha escrita pelos alunos Amanda Corrêa, Carlos Rabelo e Maria Laura Kuniyoshi oferece dicas valiosas para evitar sobressaltos. Confira:
- Ofereça mais tempo de prova. Devido à dificuldade de interpretação e expressão, pessoas com TEA precisam se organizar de outra forma para completar uma avaliação;
- Dê a opção de uma avaliação alternativa. Uma lista de exercícios, por exemplo, pode mostrar com mais exatidão se o aluno compreendeu a matéria sem ser prejudicado por alguma questão sensorial;
- Peça trabalhos individuais e não em grupo em função das dificuldades dos autistas em interagir socialmente;
- Permita que apresentações verbais, especialmente em público, sejam substituídas por vídeos ou dissertações escritas. Muitas pessoas com TEA têm dificuldades de comunicação, sendo que 30% delas não são verbais;
- Preocupe-se com o ambiente no qual o aluno assistirá às aulas ou será avaliado. Locais quentes, com muito barulho e muita gente, podem desregular e prejudicar quem tem autismo;
- Elabore enunciados claros e sem o uso de figuras de linguagem. Autistas precisam de instruções explícitas e detalhadas para que possam executar uma tarefa sem dificuldade;
- Diante de uma crise, tente levar o aluno para um ambiente mais calmo, como uma sala de aula vazia, e dê tempo para que ele se recupere. Se for necessário, dispense o aluno da atividade durante todo o período.
Manual ressalta que adaptação para TEA não é privilégio, mas direito assegurado em lei
A cartilha traz ainda informações sobre os direitos dos autistas, com trechos retirados da legislação brasileira. O texto explica que pessoas com TEA são consideradas no Brasil pessoas com deficiência (art. 1º, §2º, Lei 12.764/2012 – Lei Berenice Piana) e, por isso, as instituições de ensino devem assegurar a esse público as adaptações razoáveis em todos os níveis educacionais, incluindo o ensino superior.
Adaptação razoável, de acordo com a lei, é aquela que oferece à pessoa com deficiência condições para realizar, com igualdade material, as atividades de ensino, exercendo seus direitos e liberdades fundamentais. “Adaptar uma atividade não é conceder um privilégio, e sim efetivar um direito reconhecido extensivamente na ordem legal brasileira.”
A cartilha destaca também que a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco tem uma política de acessibilidade pedagógica oficial, que estabelece uma rotina administrativa na qual, a partir da solicitação do aluno, as adaptações necessárias são informadas semestralmente a todos os seus professores, sendo de cumprimento obrigatório. Aprovado em 2022, esse rito aos poucos têm sido adotado pelas demais faculdades da USP.
Já o coletivo, criado um ano antes, é um espaço de conexão entre autistas da USP que tem por objetivo garantir a permanência desses alunos na universidade. O grupo se reúne mensalmente para compartilhar experiências, debater questões relativas ao TEA e pautar demandas de inclusão na universidade. Para a produção da cartilha, os autores contaram com a supervisão científica da psicóloga Joana Portolese, que é coordenadora do Programa de Diagnóstico do TEA do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.
Para mais informações e inscrição no coletivo, basta acessar este formulário.
Escrito por Teia.Work
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