Usar o termo para diminuir ou criticar é capacitismo; diagnóstico é uma conquista que pode levar anos para acontecer

Autistas são pessoas que possuem um transtorno de neurodesenvolvimento. Pela lei brasileira, são consideradas pessoas com deficiência e têm direitos específicos. A palavra autista não deve ser usada para classificar as pessoas de forma pejorativa por diversos motivos. Listamos abaixo alguns deles.

1- Diagnóstico é uma conquista

O diagnóstico de autismo pode levar anos para ser confirmado, mesmo em casos que contam com o empenho da família e de profissionais de saúde qualificados. O processo é desgastante e exige dos que convivem com a pessoa observação, estudo e cuidados constantes.

Há casos em que o autismo pode levar anos para ser descoberto, não porque a investigação seja longa, mas porque a possibilidade só é cogitada quando a pessoa chega à idade adulta. É algo comum, especialmente nos casos de autistas de nível 1, aqueles que têm menor necessidade de suporte, popularmente conhecidos como autistas leves 

2- Descobrir-se autista na idade adulta é um marco de autocompreensão

Receber o diagnóstico de autismo na idade adulta permite que a pessoa viva um processo de autoentendimento após décadas de incompreensão. “Ser autista hoje para mim é o resgate de minha identidade. Mesmo que muitas pessoas, por etarismo, acreditem que, na fase adulta, o diagnóstico seja dispensável. Não é”, disse ao Autismo e Realidade a jornalista Selma Sueli (https://autismoerealidade.org.br/2022/06/23/maternidade-autismo-e-transgeneridade/), que só se descobriu autista após o diagnóstico da filha, Sophia Mendonça (https://autismoerealidade.org.br/2022/02/24/sophia-mendonca-autismo-plural/)

O processo não é simples. Envolve reviver traumas, relembrar momentos difíceis – até mesmo constrangedores – da infância e da adolescência (como bullying na escola ou desilusões amorosas ou com amizades), pensar sobre os sinais do transtorno que se manifestavam, mas não eram encarados como um possível diagnóstico. Descobrir-se autista na idade adulta é um processo bastante dolorido e que merece ser respeitado.

“Passei a me amar mais após o diagnóstico”; veja outros relatos de adultos autistas

“Eu só descobri meu autismo aos 22 anos, hoje em dia tenho 24. Acho que descobrir essa diferença me libertou. Deixei de ser aquela pessoa frustrada, deprimida, para ser alguém que se ama de verdade. Hoje em dia consigo enxergar que o autismo é parte de quem eu sou e passei a me amar depois que descobri que sou autista”, conta a neurocientista e influenciadora digital Ju Maia 

 , que tem autismo de nível 2 – que precisa de um grau moderado de suporte.

“Muito de minha vida faz sentido agora: minha estranha intensidade em situações sociais, minhas obsessões estranhas que nunca se dissipam, minhas tentativas fracassadas de amizade, minha tendência a chorar, entrar em pânico e me bater e ficar não funcional por horas depois disso”, conta a atriz Tashi Taiguera (https://autismoerealidade.org.br/2022/09/09/tashi-baiguerra-meu-cerebro-nao-esta-quebrado/).

“Foi um alívio e uma explicação de algumas coisas que eu percebia que eram mais difíceis para mim do que era para as pessoas”, conta a jornalista Renata Simões (https://autismoerealidade.org.br/2020/06/30/renata-simoes-diagnostico-autoconsciencia-e-liberdade/). “O mais importante é a apropriação do que você é. (…) Talvez, eu jamais vá ser boa de paquera na vida. Talvez eu seja sensível demais para lidar com determinadas situações e e estar com determinadas pessoas, então eu tenho que me preparar melhor para isso. Não acho que a palavra é limitação. É tudo sobre autoconsciência. A partir do momento que você tem consciência, você está muito mais livre.”

3 – Ser autista não é um problema em si; o problema é ter que lidar com uma sociedade capacitista

“Para o mundo, meu cérebro está quebrado, e quando o mundo trata alguém como se estivesse quebrado, esta pessoa lentamente aceitará que está quebrada mesmo”, afirma Tashi. “Eu sou diferente de todos. Minha vida inteira e todos à minha volta podiam ver isso tanto quanto eu, mesmo que ninguém conseguisse explicar. As pessoas não gostam da diferença. É tão difícil ser diferente”, diz.

Autobiografias de autistas (https://autismoerealidade.org.br/2021/12/10/autobiografias-escritas-por-autistas/) não oralizados deixam isso muito claro. “É difícil ser autista porque ninguém me entende. As pessoas me olham e já supõem que eu sou burra porque eu não posso falar ou porque eu ajo diferente delas. Eu acho que as pessoas ficam assustadas com o que aparenta ou parece ser diferente delas”, desabafa Carly Fleischmann, uma jovem autista que se expressa pela escrita.

A postura que Carly descreve é o que chamamos de capacitismo: a discriminação de pessoas com deficiência (https://autismoerealidade.org.br/2020/07/09/capacitismo-o-que-e-e-o-que-fazer/). Atitudes capacitistas são aquelas que pressupõem que uma pessoa, por ter uma deficiência, não será capaz de conseguir algo: ler, escrever, namorar, ter filhos, fazer faculdade e uma série de outras coisas que qualquer pessoa típica é capaz de fazer.

Autistas têm suas limitações, que são diversas e variam de caso a caso, mas a partir do momento que recebem o suporte necessário, acompanhamento e estímulo, podem desenvolver suas potencialidades.

Atitudes capacitistas ainda corriqueiras precisam ser evitadas

Muitas escolas boicotam matrículas de alunos autistas ou simplesmente dizem que não têm condições para recebê-los. Ainda há muitos lugares que não são capazes de levar em conta a existência de autistas hipersensíveis, como supermercados ou shoppings, com seu excesso de luzes, sons e aromas.

Além disso, muitas pessoas não têm informação básica sobre o que é e como evitar o capacitismo (https://autismoerealidade.org.br/2021/04/08/como-evitar-o-capacitismo-no-dia-a-dia/), presente em pequenas atitudes, como dizer que alguém “nem parece autista” (https://autismoerealidade.org.br/2022/10/29/6-razoes-para-voce-nunca-mais-dizer-que-alguem-nem-parece-autista/).

“A forma como se conta uma história pode reforçar estereótipos capacitistas”, alerta o jornalista Tiago Abreu. “Relatos de superação tiram a responsabilidade de uma sociedade que é excludente”, afirma.

4- Não há nada de errado, nem de ruim em ser autista; cada um deve ser respeitado como é

A conscientização permite que estejamos mais atentos a oferecer o que essas pessoas precisam. Autistas que não falam, por exemplo, precisam de apoios de comunicação alternativa e tecnologia assistiva para se comunicarem. Nas autobiografias, é possível entender a densidade do que é ter dificuldade de comunicação, de entendimento do que acontece no entorno.

Um dos livros mais populares é o do escritor japonês Naoki Higashida – que tem mais de 20 obras publicadas. No best-seller ‘O Que Me Faz Pular’, ele responde a perguntas de pessoas não autistas sobre sua condição e demonstra que o fato de não conseguir falar não significa que não tem nada a dizer. (
https://autismoerealidade.org.br/2021/02/02/naoki-higashida-um-autista-nao-verbal-conta-sua-historia/).

Ser autista vai muito além de ser uma pessoa reservada, confusa ou qualquer outra caraterística pontual que se possa associar ao TEA. O autista é uma pessoa integralmente autista, o tempo todo, pela vida inteira. Uma pessoa que luta pela sua autodescoberta e por respeito. Todos os dias.