Aumento de diagnósticos de autismo reflete maior conscientização de famílias e especialistas e amplia possibilidade de intervenção precoce

O número de crianças diagnosticadas com autismo só cresce. O levantamento periódico do CDC (agência norte-americana de saúde) aponta que a prevalência do transtorno passou de 1 a 150 em 2000 para 1 a 36 em 2020. Os dados consideram os diagnósticos de crianças de até 8 anos nos Estados Unidos. “Quem fez formação há mais de 15, 20 anos, sente sensivelmente a mudança na frequência. Antes era raro, ocasional, agora a gente lida com autistas a todo momento”, afirma o psicólogo André Varella, diretor do Instituto de Análise do Comportamento Aplicada e pesquisador associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino. André apresentou algumas das causas para tamanho crescimento na mesa Atualizações sobre a prevalência do Transtorno do Espectro Autista, mediada pela psicóloga clínica Yasmine Martins, mestre em ciências da saúde infantil e doutoranda em saúde baseada em evidências na Unifesp, e pela neurologista infantil Marcilia Martyn, responsável pelo setor de Eletroencefalograma (EEG) do Sabará Hospital Infantil. O encontro aconteceu no VIII Simpósio de Atualização do TEA, realizado durante o 6º Congresso Internacional Sabará-PENSI de Saúde Infantil.

Vacinas não causam autismo; mudanças no DSM e na CID ajudam a explicar aumento nos diagnósticos

Um ponto muito importante a ser esclarecido é que o aumento do número de casos de autismo nada tem a ver com vacinas. A vacinação é recomendada para todas as pessoas, autistas ou não. O médico que defendia a tese de uma suposta relação entre vacinas e autismo teve seu registro cassado no Reino Unido em 2010, após ser comprovada falhas graves no estudo original. A hipótese foi extensivamente testada por cientistas e jamais comprovada (leia mais aqui). O que então provocou esse crescimento? A resposta elenca não um, mas diversos fatores. Entre eles, está a melhoria nas condições de detecção do transtorno. “É como se estivéssemos enxergando melhor os casos que a gente não enxergava”, diz André. A ampliação da detecção está também relacionada à mudança dos critérios diagnósticos. Em 2013, passou a valer o DSM-5 e em 2022, a CID-11, que alteraram o conceito de autismo e acrescentaram, por exemplo, o diagnóstico de síndrome de Asperger ao espectro – quem antigamente era diagnosticado com a síndrome é hoje visto como autista. “À medida que o conceito de autismo vai mudando, vamos ampliando o diagnóstico e temos uma mudança também no número. Também mudam as ferramentas de rastreio e ferramentas de diagnóstico”, explica o psicólogo.

Ainda falta avançar no diagnóstico de meninas e nos dados sobre autismo no Brasil

Houve também aumento no número de casos de subgrupos sociodemográficos com pouco acesso aos serviços de saúde, como crianças latinas nos Estados Unidos. Estes subgrupos, porém, ainda são subdiagnosticados. As políticas públicas têm produzido efeitos importantes no desenvolvimento científico, técnico e social relacionados ao TEA, conta o psicólogo. A conscientização médica e da população vem se aprimorando. Mães, pais e cuidadores estão cada vez mais bem informados a respeito das manifestações do transtorno. Mas ainda há avanços a serem feitos. Quando analisamos a diferença de gênero, a prevalência é de uma menina a cada 4 meninos – o que indica uma necessidade de aprimorar os diagnósticos em meninas. Além disso, existe a necessidade de mais estudos e monitoramento no contexto brasileiro. Não existe um dado oficial do país em torno do número de autistas. Em geral, usa-se como base os números do CDC. A estimativa é que haja 2 milhões de autistas no país.

Autistas nível 1 são os mais afetados por comorbidades

Quando falamos de autismo, falamos também de comorbidades. É raro que o autismo não esteja associado a outras condições. Um estudo recente aponta que 70% das crianças autistas têm comorbidades e 50% têm mais de uma. Um dos pontos que tornam importante o debate em torno das comorbidades é que elas provocam as principais debilidades nos casos mais leves de autismo, como explicou no evento Gabriela Viegas Stump, responsável pela divisão de psiquiatria da infância e adolescência do núcleo de especialidades pediátricas do Hospital Sírio Libanês. “A comorbidade muda muito o curso da doença, o prognóstico, a qualidade de vida e a funcionalidade ao longo da vida”, diz. O autismo é um espectro e as comorbidades fazem parte dele. “A prevalência do TEA é heterogênea e a do TEA com comorbidade é ainda maior”, afirma a médica. As comorbidades mais frequentes entre autistas são TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), ansiedade e TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), transtorno de controle do impulso, depressão e alteração do ciclo do sono. “TDAH é a que mais se falava no pré-pandemia. No pós, se fala em depressão e ansiedade”, afirma Gabriela.

Diagnóstico precoce favorece a evolução da criança, mas espera pode ser de quase 5 anos

A identificação precoce do autismo é essencial para que haja uma intervenção o mais cedo possível, o que pode melhorar significativamente o prognóstico da criança. Os primeiros a perceber os sinais de autismo na criança são geralmente os familiares. O tempo entre a detecção destes primeiros sinais e a consolidação do diagnóstico pode chegar a 4 anos e meio. Quanto mais preservado o intelecto da criança, maior a chance de demora na conclusão do diagnóstico. “O que torna o diagnóstico mais precoce é a presença de prejuízo intelectual”, afirma a neuropsicóloga Joana Portolese, coordenadora do programa de diagnóstico do TEA do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. A observação do bebê pode começar ainda nos primeiros meses de vida. “De zero a 3 meses, a gente tem a imitação básica. A mãe, na amamentação, já consegue observar se o bebe tá aprendendo, se olha nos olhos da mãe, vê se a criança tá com expressão de dor. A amamentação é um momento em que ela está aprendendo a cognição social”, diz Joana. “Aos 9 meses, tem a resposta à atenção do outro, a atenção compartilhada.” As avaliações de diagnóstico são, necessariamente, multidisciplinares, envolvendo profissionais de diferentes áreas da saúde – como fonoaudiologia e terapia ocupacional – e diferentes avaliações e testes, como a de altas habilidades, avaliação de QI, análise de responsividade, MCHATS, entre outros. É justamente entre os 6 e os 12 meses que as manifestações do autismo se tornam mais frequentes. Entre as possíveis avaliações nesta idade está também o monitoramento pelo rastreio ocular – que ainda ocorre em uma escala experimental, mas desponta como ferramenta promissora no auxílio ao diagnóstico precoce. Para conferir em detalhes, avaliações e interveções adotadas hoje, além das medicações adotadas para lidar com cada comorbidade e a importância do estudo da prevalência do autismo em todo mundo, assista o simpósio completo, de forma gratuita aqui.

Escrito por Clarice Sá, Teia.Work